quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Seumas Milne, no Guardian: a América Latina de Lula e Chavez mostra que há alternativa e cria um novo mundo.

Artigo publicado no The Guardian, em minha sofrível tradução.

A maré radical está prestes a ser posta à prova no Brasil e na Venezuela. Se mantiver o apoio, ela terá lições para todos nós
Seumas Milne, quarta-feira 18 agosto de 2010

Quase dois séculos depois que ganhou a independência nominal e Washington a declarou seu quintal, a América Latina está de pé. A maré de mudança progressista que varreu o continente durante a última década levou ao poder uma série de governos social-democratas e socialistas radicais, que têm atacado o privilégio social e racial, rejeitado a ortodoxia neoliberal e desafiado a dominação imperial da região.

Seu significado é muitas vezes subestimado ou banalizado na Europa e América do Norte. Mas - junto com a ascensão da China, a crise econômica de 2008 e a demonstração dos limites do poder dos E.U.A na "guerra ao terror" -, o surgimento de uma América Latina independente é uma do punhado de evoluções a remodelar a ordem mundial. Do Equador ao Brasil, da Bolívia à Argentina, os líderes eleitos se afastaram do FMI, tomaram de volta das corporaçõe o controle dos recursos, impulsionram a integração regional e esculpiram alianças independentes em todo o mundo.

Tanto a escala dessa transformação quanto a deturpação, nos meios de comunicação ocidentais, do que está ocorrendo são posta em seu lugar no novo filme de Oliver Stone, South of the Border, que permite que seis desses líderes da nova onda falem por si. O mais impressionante é o seu compromisso de apoio mútuo e comum - desde de Cristina Kirchner da Argentina até Evo Morales, mais esquerdista  - em retomar a posse de seu continente.

Duas votações cruciais nas próximas semanas colocarão à prova o futuro deste processo. A primeiro são as eleições parlamentares na Venezuela, cuja revolução bolivariana tem estado na vanguarda da renovação da América Latina desde que Hugo Chávez foi eleito presidente em 1998. Por toda a sua popularidade em casa, Chávez tem sido alvo de uma campanha de difamação e ridicularização nos meios de comunicação Norte-Americanos, Europeus e Latino Americanos controlados pela elite - que tem pouco a ver com sua retórica de alta octanagem, e muito mais com a sua eficácia ao usar a riqueza petrolífera da Venezuela em desafio aos E.U.A e ao poder corporativo em toda a região.

Esqueça seu sucesso em reduzir a taxa de pobreza da Venezuela pela metade, triplicar os gastos sociais, em expandir rapidamente a educação e a saúde e em promover democracia de base e participação dos trabalhadores. Desde o início do ano, os inimigos da Venzuela sentem cheiro de sangue enquanto o governo titubeou frente aos cortes de energia desencadeados pela a seca e foi incapaz de superar a recessão com um pacote de estímulo - como a Bolívia de Morales fez -, e cresceu o descontentamento em relação aos níveis elevados de criminalidade violenta.

Então, espere uma enxurrada de novas queixas de que Chávez é um ditador que reprimiu a liberdade de imprensa e perseguiu banqueiros e empresários, e cujo regime incompetente estaria se desfazendo em pó. Na realidade, o presidente venezuelano ganhou mais eleições livres do que qualquer outro líder mundial, a mídia do país é dominada pela oposição financiadas pelos EUA e os problemas de seu governo com a prestação de serviços derivam mais da fraqueza institucional que de autoritarismo.
Se o Partido Socialista Unido de Chaves for derrotado no próximo mês, certamente colocará a sua reeleição em 2012 - e a radicalização da Venezuela - em dúvida. Mas isso parece cada vez mais improvável. A economia está acelerarando, uma força policial nacional finalmente está sendo estabelecida e, fundamentalmente, na semana passada Chávez atenuou dramaticamente a ameaça de guerra com o governo pró-EUA da Colômbia após uma aproximação intermediado regionalmente.

Ainda mais crítica será a eleição presidencial no Brasil em outubro. A emergência do Brasil como potência econômica, sob a liderança de Lula, sustentou as mudanças mais amplas da América Latina. Menos radical do que Chávez ou Morales, ainda assim, o presidente brasileiro também destinou dinheiro a campanhas de combate à pobreza e deu um apoio vital ao projeto comum de integração continental e independência.

Impedido de concorrer a um terceiro mandato, ele apostou sua popularidade em sua chefe da Casa Civil, Dilma Roussef, no mínimo mais simpática aos bolivarianos. Incapaz de atacar o legado econômico de Lula, seu princípal adversário de direita, José Serra, agora está efetivamente em campanha contra Chávez e Morales, denunciando o apoio de Lula a eles, a sua recusa em reconhecer o governo pós-golpe em Honduras e as sua tentativas de mediação entre o Irã e os E.U.A. Até agora, parece improvável que funcione, e Serra está se saindo mal nas pesquisas.

Se as eleições brasileiras e venezuelanas forem ganhas pela esquerda, os E.U.A e seus amigos podem ser tentados a procurar outros meios para desviar a América Latina do caminho da autodeterminação e justiça social, que tomou enquanto George Bush estava ocupado lutando contra seus inimigos no mundo muçulmano. Pela promessa de Barack Obama, de "procurar um novo capítulo do compromisso", e pelo alerta de que um "precedente terrível" seria definido se o sangrento golpe do ano passado contra o presidente reformista hondurenho, Manuel Zelaya, fosse preservado, houve pouca mudança na política dos E.U.A para a região. O golpe de Honduras, de fato, foi  tolerado - ou, como Hillary Clinton colocou, a "crise" foi "administrada a uma conclusão bem-sucedida".

A mensagem clara era de que a maré radical pode virar, e o medo agora é que outro dos governos mais vulneráveis, como os do Paraguai ou da Guatemala, também possam ser "administrado a uma conclusão" de uma forma ou de outra. Enquanto isso, os E.U.A estão tentando fortalecer sua presença militar no continente, usando o pretexto da "contra-insurgência" para a estabelcer sete bases militares na Colômbia.

Mas a intervenção militar direta parece improvável no futuro próximo. Se os movimentos políticos e sociais que têm impulsionado a transformação do continente mantiverem sua força e apoio, eles estarão lançando não apenas o alicerce de uma América Latina independente, mas novas formas de política socialista, declaradas impossíveis na era moderna. Duas décadas depois nos disserem que não havia alternativa, um outro mundo está sendo criado.

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