sexta-feira, 21 de maio de 2010

Valor: a promissora classe C.

Artigo publicado no Valor, copiado daqui e seguido de comentários do Blog do Alê sobre o mesmo texto.

A promissora classe C
Maria Clara R.M. do Prado

Nem todos se deram conta da extraordinária transformação pela qual passa a sociedade brasileira. O ingresso no mercado de boa parte da população que vivia à margem das oportunidades tem enormes implicações que não se esgotam no campo econômico. Muito pelo contrário, as consequências da mudança na renda das famílias tendem a se refletir cada vez com mais intensidade na tomada de consciência do cidadão sobre seus direitos e deveres. A consequência é política, antes de tudo.

A grande maioria dos expectadores das novelas da Globo já não está mais limitada aos sonhos que a vida espetaculosa dos personagens estimulava na tela. As pessoas da nova classe C brasileira viajam de avião, ao invés de pau-de-arara. Vestem-se em lojas de departamento, ao invés do bazar da esquina. Podem comemorar o Dia das Mães no restaurante do bairro, andar em carro próprio, ter mais de um celular e, nestes dias de pré-Copa, comprar aquele aparelho de TV de tela plana que garantirá ao torcedor um novo status.
 

É essa confiança na possibilidade de melhora que move hoje a sociedade. O acesso ao mercado dos chamados "emergentes à classe C" não deve ser tratado como uma simples questão de aumento de consumo a partir da visão simplista do que isso representa em termos de pressão sobre preços, inflação e temas congêneres como taxa de juros e disponibilidade de crédito.

Muito para além dos aspectos puramente macroeconômicos - que, diga-se, envolvem uma preocupação pertinente - a inserção no mercado de uma imensa massa de consumidores nos últimos anos carece de análises mais aprofundadas sobre o significado que isso efetivamente tem, socialmente e politicamente.

Uma recente pesquisa patrocinada pela Febraban e realizada pela empresa Data Popular, dedicada justamente a traçar o comportamento do que chama de "base da pirâmide" no que tange à renda, mostra que a nova classe C percebe o consumo como sinal de inclusão social por meio da melhoria de padrão de vida. Para o "ascendente social", ter acesso a bens que antes só podiam ser almejados com desesperança, funciona psicologicamente como uma espécie de comprovação de que, finalmente, a pessoa conseguiu se desvencilhar das restrições que a mantinham segregada, escondida e sem voz, um ser sem importância, sob qualquer ponto de vista.

Entre os resultados da pesquisa realizada no mês de janeiro com famílias da classe C nas cidades de São Paulo, Rio, Recife e Porto Alegre, está a constatação de que em um país cuja sociedade discrimina pela cor e pela classe social, vestir-se bem e ter tecnologia de última geração é de extrema relevância para os jovens da nova classe C. Mostra que estão economicamente e politicamente inseridos. A pesquisa também apurou que em muitas ocasiões, dependendo do produto, o consumo pode se confundir com investimento: no caso de roupa (vista como uma forma de melhorar a aparência para a conquista ou manutenção de um emprego), computador, moto e educação.

Os filhos da nova classe C são os propulsores das mudanças de comportamento da geração mais velha, seja pela tecnologia, seja pelas opiniões sobre os temas de maior destaque na pauta política como aqueles ligados à questão ecológica, envolvendo gastos com energia, água, tabagismo, enfim.

A nova classe C poupa apenas para comprar mais adiante um bem de maior valor. Tem o objetivo de investir apenas na educação dos filhos. Sabe que a verdadeira ascensão social se faz por meio da educação. Note-se que essa classe já responde, de longe, pela maior fatia de participação em importantes setores da economia. Na área de seguros, 61,9% dos usuários estão na classe C, que também explica 63,6% do consumo de planos de saúde e 61% dos cartões de crédito.

A relação com o cartão de crédito, vale notar, nem sempre segue o padrão usual. Primeiro, é visto por muitos como um instrumento de apoio em momentos de emergência e por isso mesmo, não raro, fica guardado em casa. Mas há situações curiosas como os casos em que os cartões de crédito são emprestados para amigos e familiares. Ninguém se preocupa muito com taxa de juros na nova classe C. Quando o dinheiro vai para a poupança, nos bancos, a motivação principal é a segurança ou um objetivo específico de consumo. Tem razão um economista ouvido pela coluna: "a sociedade brasileira pratica a mais alta taxa de juros do mundo dada a preferência por consumir hoje, ao invés de adiar o consumo para o futuro".
Ele sabe também que o fenômeno tem a ver com a má distribuição de renda e o achatamento do poder aquisitivo da imensa maioria dos brasileiros por anos a fio. Isso explica a alta propensão a consumir desses "emergentes" diante da melhoria da renda.

A ampla pesquisa da Febraban impõe relevo à importância da classe C. Teve como objetivo justamente traçar o perfil dessa massa de pessoas que saiu da marginalidade e entender de que forma poderão ser educadas financeiramente. É, para os bancos, um filão a ser conquistado, assim como deveria ser para os políticos e para outros segmentos que teimam em ver o Brasil com olhos dos anos 60!

A preocupação permanente com os efeitos macroeconômicos dessa verdadeira revolução sócio-econômica se reflete no cíclico desequilíbrio entre demanda e oferta. Assim como no primeiro semestre de 2008, hoje as vendas no varejo ultrapassam a casa dos 2 dígitos de crescimento, influenciado, entre outros fatores, justamente pela entrada, em 4 meses, de 1 milhão de novos consumidores, pela via emprego formal. Emprego formal, que aquece a demanda pela via direta da maior remuneração, mas principalmente pela confiança em assumir compromissos de longo prazo. Nos últimos 6 anos, o crédito cresce 20% ao ano no Brasil.

As condições para esse crescimento nas vendas do varejo estavam claramente criadas a partir do terceiro trimestre de 2009, quando se verificou que a crise internacional não havia sido capaz de interromper o ciclo de empregabilidade iniciado em 2004. De fato, surpreendentemente o Brasil criou cerca de 1 milhão de empregos formais em um ano de recessão no mundo e até mesmo no Brasil. Como um país com PIB zero pode criar tantos postos de trabalho?
A resposta pode explicar o atual desequilíbrio entre oferta e demanda que tanto preocupa as autoridades monetárias. O resultado decepcionante das contas nacionais em 2009 se deu principalmente pela via do investimento. O presidente Lula inúmeras vezes assinalou que quem apostar contra o Brasil, perderia dinheiro. E a falta de investimentos ajuda a alimentar o círculo vicioso responsável pela nossa histórica tendência pelo ‘voo de galinha’.

Como mostra com muita precisão a matéria, o Brasil está voltando a crescer pela via da inclusão social, pela introdução no mercado de consumo de uma grande parcela da população que não tem, ainda, capacidade de poupança. Cada real que entra vai para o consumo, seja na melhoria da alimentação, o investimento na educação dos filhos ou mesmo na compra de bens duráveis absolutamente básicos para a vida urbana. São pessoas que estão com urgência para ter aquilo que para a classe média sempre fez parte do seu dia a dia.

Como disse a manchete de uma matéria dessa semana no Valor Econômico, é difícil desacelerar uma economia que gera 300.000 empregos formais por mês. É overdose na veia sem antídoto. Nossa única saída é multiplicar o incentivo ao investimento, despertar o espírito animal do empresariado. Esse novo ciclo de crescimento não pode ser abatido nem por um aperto monetário exagerado que desestimule o empreendedorismo, nem por uma leniência com o imposto inflacionário, pois este afeta principalmente essa promissora Classe C.

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