terça-feira, 20 de outubro de 2009

JB Ononline: "O Brasil ganharia mais se se detivesse menos na perseguição ao Estado e na satanização dos servidores e mais na discussão de como são fortalecidas ou não as carreiras capazes de melhorar a prestação de serviços ao país", segundo Rodrigo de Almeida.

Segue o excelente artigo de Rodrigo de Almeida.

Permito-me apenas um pequeno reparo. As notícias acerca da contratação de servidores em São Paulo, do meu ponto de vista, não igualam PT e PSDB nesta questão. E o motivo é um só. Mesmo que o aumento fosse igual - e não é - um partido estaria colocando em prática a política que abertamente defende, enquanto o outro estaria dissimulando a sua atuação.

Enquanto o PT amplia o quadro de servidores sem nunca tê-los demonizado, o PSDB o faz ao mesmo tempo que acusa o PT de fazê-lo e fomenta hostilidades contra os servidores, fazendo crer que eles seriam uma das principais causas dos problemas nacionais.

Assim, no lugar de igualá-los, a notícia acerca do aumento do número de servidores em São Paulo distingue o PT e o PSDB. Talvez não nesta questão específica, mas, ao menos, no que se refere à coerência e à honestidade de suas propostas.

De sovinas e perdulários

Por Rodrigo de Almeida

A revelação de que o tucanato paulista mimetiza o presidente Lula em matéria de política funcional expansionista oferece duas interessantes contribuições ao debate sobre o Estado brasileiro, um dos temas-chave para a campanha presidencial do ano que vem. Primeiro, iguala PT e PSDB num ponto que parecia nevrálgico – a suposta irresponsabilidade lulista no trato do funcionalismo público (nos últimos anos, os tucanos vocalizaram como ninguém a crítica contumaz ao “inchaço” da máquina federal). O segundo mérito da informação é que ajuda a denunciar a impressionante campanha difamatória contra o Estado e seus funcionários, algo que Fernando Collor de Mello começou e Fernando Henrique Cardoso aprofundou.

Graças ao cotejo de dados do repórter Gustavo Patu, constata-se que, desde 2003 (período em que o estado foi gerido pelos tucanos Geraldo Alckmin e José Serra), a máquina do Executivo de São Paulo ganhou 33 mil novos servidores ativos. Incluindo aposentados e pensionistas, a conta anual da folha salarial paulista subiu 19% no período. Desde que tomou posse, em 2003, o presidente Lula elevou em 12% o quadro de servidores ativos. No governo de São Paulo, esse índice foi de 14%. E daí?

Daí, nada. Essa é uma típica disputa com sinais trocados. Avaliar quem mais ampliou as fileiras de servidores, em busca de um líder nacional da ineficiência e do esbanjamento, equivale a aceitar como correta a premissa de que o Estado brasileiro é grande demais para as necessidades do país – e, portanto, deve ser combatido como um inimigo a derrubar. Com esse tipo de premissa, argumentos estatísticos mais sérios acabam ignorados.

Em abril o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) publicou um estudo no qual fazia uma comparação internacional do emprego público e ajudava a desconstruir o mito do inchaço da máquina pública. O levantamento do Ipea mostrava o contrário. Informava que a participação do emprego público é pequena: o percentual de servidores em relação à população ocupada não chega a 11%. Não alcança 6%, se for considerada a população total do país.

No topo do ranking internacional estão Dinamarca (39,3%) e Suécia (33%) – índices elevados dada a natureza do Estado de Bem-Estar Social não destruído por esses países durante as crises fiscais dos anos 80 e 90. Ocorre que os números brasileiros estão abaixo mesmo de países “altamente privatistas”, como EUA (14,9%) e Canadá (19,9%), ou nações europeias como França (14,4%) e Espanha (15%). No caso dos países sul-americanos, o tamanho do Estado brasileiro aparece menor que Uruguai (16,3%) e Argentina (16,2%), e um pouco acima do Chile (10,5%).

Ao mostrar tais números, o Ipea foi acusado mais uma vez de estar “aparelhado” e de ignorar sua missão de apresentar análises técnicas (?). Outros questionaram a comparação quantitativa, quando o centro do debate deveria concentrar-se nos argumentos qualitativos. (Como se as “denúncias” de “inchaço” não pusessem o dedo em riste para a “quantidade” de servidores abrigados no Estado).

Em 2006, o cientista político Wanderley Guilherme dos Santos, da Universidade Candido Mendes, desmascarara as “pistas falsas” do debate daqueles convertidos ao leilão do Estado brasileiro. Chama-se O ex-Leviatã brasileiro o livro em que mostra, entre outras coisas, como a burocracia do Brasil é reduzida. Segundo o professor, desde 1984 há dados comprovando que “o Brasil possui um Estado mais para sovina do que para perdulário”. Isso significa que a natureza das políticas governamentais obedece ao modelo no qual seus custos são genericamente distribuídos (toda a população paga por ele), enquanto os benefícios são consumidos por uma minoria. Santos acha que há, sim, excesso na administração pública, mas nas ocupações mais modestas: limpeza, vigias, ascensoristas, porteiros. Resumo da ópera: o Estado não está aparelhado para responder com velocidade e coerência às demandas de uma sociedade industrial urbana que fez, em larga medida, a reforma capitalista do campo.

PT e PSDB estão preparando o Estado para responder a tais demandas? Este é um bom debate. O Brasil ganharia mais se se detivesse menos na perseguição ao Estado e na satanização dos servidores e mais na discussão de como são fortalecidas ou não as carreiras capazes de melhorar a prestação de serviços ao país. Ou ainda identificar como poderosos grupos de interesse barraram a tendência ao monopólio decisório do Estado, não para torná-lo plural e democrático mas para apropriar-se do poder estatal em nome de suas próprias vantagens.

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